Por Wilbert Rideau*
Londres, Inglaterra, fevereiro/2011 – Absolutamente nada de nossa vida anterior pode nos preparar para viver em um corredor dos condenados à morte. A pessoa é como um repolho em uma horta: plantado, forçado a levar uma existência estática durante a qual um dia é igual ao outro e ao seguinte. Só que, ao contrário do repolho, essa vida não tem propósito algum. A pessoa é apenas um número que ocupa um lugar e aguarda a vez para ser levada à câmara onde será executada. Até chegar esse dia o sofrimento será perpétuo.
No dia 11 de abril de 1962 apanhei, fui algemado e levado para o corredor da morte na prisão de Louisiana, onde havia outros 12 homens vivendo nas 15 celas do local. As baratas fugiram em todas as direções nem bem entrei na cela número 9, que tinha o tamanho de um banheiro: aproximadamente 1,80 por 2,40 metros.
A vida em espaço tão pequeno só podia ser de contínua inquietude e incômodo. Havia lugar apenas para alguns movimentos físicos deitado, agachado ou de cócoras, não dava para exercitar adequadamente todos os músculos do corpo. Permitiam que saíssemos da cela por apenas 15 minutos duas vezes por semana para tomar uma ducha. Passamos anos dessa maneira, sempre dentro da prisão, sem ver nem mesmo a luz do Sol.
Pior do que o tributo físico exigido de nossos corpos era o que cobrava de nossas mentes. O corredor era todo alvoroço e confusão, um coro infindável de descarga de banheiro, de maldições gritadas de uma cela para outra por condenados inimigos entre si, de disputas triviais sobre virtualmente nada, de aparelhos de rádio com volume no máximo para competir uns com outros. A maior parte desse pandemônio era provocada pela enlouquecedora monotonia, o profundo tédio, a grave marginalização emocional e a carência de normalidade como marco de referência para as vidas dos detentos.
Éramos como animais humanos em um dos zoológicos ao velho estilo, antes de entender-se que era desumano confinar grandes animais em uma estreita jaula. E como o tigre que obsessivamente se move de um lado a outro em sua jaula de grades, nós passeávamos pelo pequeno pedaço de chão além de nosso catre. Em determinadas ocasiões, um homem, por estratagema, podia bater sua cabeça contra as barras de aço e a perda de suficiente sangue podia provocar sua ida para o hospital destinado a criminosos psicóticos, onde as condições são melhores e o rótulo de doente mental adia a execução.
No corredor da morte éramos um grupo heterogêneo com pouco em comum, salvo que todos haviam cometido um crime. Estávamos amontoados e desprovidos pela vida das pequenas satisfações ou gentilezas que nos sustentam no mundo exterior. As pessoas raramente pensam no lado positivo das triviais intercomunicações sociais de todos os dias que enchem nossas vidas, por exemplo, com o empregado do armazém que nos cumprimenta ou com os companheiros de trabalho ou os encarregados da limpeza de nosso emprego, com os quais habitualmente mantemos pequenas conversas. Essas relações sociais aparentemente insignificantes são parte do pagamento que nos mantém todos juntos, que nos faz saber que temos um lugar no mundo. Se isso nos é tirado, e além do mais, como ocorre frequentemente, somos abandonados por amigos e familiares, podemos nos sentir à deriva.
É isso que acontece no corredor dos condenados à morte. Ali se perde o senso de um ser próprio como parte de um contexto no qual seu ser tem senso de existir. Por outro lado, no corredor começa-se a lutar para manter sua sensatez. Deve-se estar em guarda contra o pensamento mágico, ou seja, a tentação de abandonar-se a uma irracional crença de causa-efeito, como a de acreditar que um juiz anulará a sentença que nos condenou se nosso horóscopo continuar mostrando que as estrelas estão alinhadas favoravelmente. No pavilhão da morte, onde as coisas não têm sentido, nossa mente trata de dar significados a nada, o que pode nos levar a confundir fantasia com realidade. Além de lutar para não enlouquecer, cada dia se deve justificar sua existência de si mesmo, justificar o motivo de continuar vivendo quando simplesmente está esperando a morte, quando o mundo inteiro deseja nossa morte.
Fui salvo pelos livros. Voltei-me a eles apenas para matar o tempo e dar à minha mente algo a que se apegar para não enlouquecer. Depois, comecei a comprovar que a leitura me ligava com o mundo de um modo muito mais positivo do que antes. Gradualmente, cresci, amadureci e me livrei da ignorância que me levara ao corredor da morte. E não fui o único. A maior parte dos detentos no corredor da morte começou ler ou a estudar ou a manter correspondência com bons samaritanos, o que os fez melhores do que antes, quando haviam cometido as piores ações de suas vidas.
Diariamente me dou conta do quanto sou afortunado por ter saído vivo do corredor da morte. Mas Stanley “Tooki” Williams não teve a mesma sorte que eu: cofundador da primeira gangue de rua criminosa de Los Angeles, The Crips, ele se reformou na prisão e escreveu livros para convencer os jovens a não seguirem seus passos e dissuadi-los de integrar gangues. Isto não teve importância: as autoridades da Califórnia o executaram em 2005 depois de ter passado 25 anos no corredor da morte. Para o Estado, Tookie era menos que um repolho em uma horta. Envolverde/IPS
*Wilbert Rideau é autor do best-seller “No lugar da justiça: uma história de presídio e redenção”. Durante sua permanência no corredor da morte dedicou-se ao jornalismo e ganhou alguns dos mais destacados prêmios de jornalismo dos Estados Unidos.
(IPS/Envolverde)
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