Transporte público em Natal: quem conhece, desconfia
02 Outubro 2010 - Empresas de ônibus da cidade obrigam usuários a viajar em veículos antigos, que quebram constantemente
Helena Maziviero
Próximo ao horário do almoço, por volta das 11h30, Carlos Cunha, um aposentado de 67 anos, espera o ônibus na Avenida Salgado Filho, uma das principais vias da cidade. “Aqui deveriam passar mais ônibus. Já faz tempo que não passa nenhum”, reclama. Ele vai para a Zona Sul, em uma região de divisa, desprovida de responsabilidade administrativa e onde as cidades de Natal e Parnamirim brigam para resolver de quem é o filho resultante do crescimento urbano não planejado.
Dois ônibus se aproximam. Carlos inclina o corpo para frente e dá o sinal de parada. O primeiro ônibus estaciona e abre as portas esperando o embarque. Carlos faz que não com o dedo e explica que o veículo certo é o que está atrás. Mas já é tarde. O transporte tão esperado havia passado rápido pela esquerda, sem se preocupar com o senhor que o aguardava. “Que absurdo!”, reclama o passageiro ignorado.
Carlos segura firme uma pasta de couro entre os braços e já está bastante impaciente, vociferando contra o transporte público da cidade. Senta-se novamente no banco e faz a única coisa que lhe resta: esperar.
Muitos ônibus mais tarde, o Nova Parnamirim - via Maria Lacerda finalmente aponta no horizonte. Em um sobressalto, Carlos estica o braço e quase implora a parada do veículo. Dessa vez ele obtém sucesso. Exibe a carteira de identidade que garante a gratuidade em transportes públicos e entra pela porta traseira. Antes que Carlos tenha tempo de se acomodar em um dos bancos, o ônibus arranca e segue viagem.
Já na BR 101, o veículo está lotado principalmente por estudantes, que preenchem os poucos espaços vazios do coletivo com bolsas, livros e cadernos, obstruindo ainda mais o caminho de quem ousa se locomover. Mesmo assim, o ônibus segue inabalável seu trajeto, até o momento em que um ruído incomum, vindo das engrenagens do veículo, une-se ao ronco costumeiro do motor e faz com que o ônibus comece a perder velocidade, até parar no acostamento da rodovia.
O motorista desce para verificar. Os passageiros aguardam ansiosos, esticando o pescoço para enxergar o que se passa. Com expressão de desapontamento, o condutor do veículo anuncia a sentença: “Terão de trocar de carro. Esse quebrou.”. Depois do murmúrio geral de insatisfação, os passageiros se aglomeram no ponto de ônibus mais próximo. Carlos está lá, segurando sua pasta de couro e dividindo sua insatisfação com qualquer pessoa que esteja a sua volta. “Esses ônibus são todos velhos, vivem quebrando. Não tem sequer um que preste”, reclama.
O transporte público de Natal, que, na verdade, se resume às linhas de ônibus, estava demonstrando o quão ineficiente e precário é o sistema do qual dependem diariamente milhares de pessoas.
Motoristas mal educados, horário irregular, atrasos, passagens elevadas e frota antiga, muitas vezes sem acesso para deficientes, são elementos que fazem parte do cotidiano de quem utiliza o transporte público da cidade. Mas, naquele momento, o descontentamento geral se percebeu quando um ônibus recém-chegado teve de enfrentar a fúria dos passageiros que embarcavam rápido pela porta traseira. O motorista anuncia que não pode, já que o veículo quebrado pertencia a uma empresa diferente. “Vocês devem esperar um ônibus que seja da mesma empresa”, informa o condutor. Tarde demais. Do meio da multidão alguém grita: “Depois que eu subir, quero ver quem me tira!”. De dentro do ônibus o cobrador reclama, dizendo que a demora no embarque está atrasando o horário do veículo. O cobrador comenta que, na verdade, ele e o motorista estão fazendo um favor aos passageiros do ônibus quebrado. “Não é nossa obrigação”, anuncia convicto.
Em total desconforto, todos finalmente embarcam e seguem viagem. Inclusive Carlos, que viajou em pé segurando a pasta de couro. No desembarque, o aposentado se atrapalha, aguardando em frente a uma porta dedicada aos deficientes e que tinha a inscrição “Desembarque pela porta trazeira”. Assim mesmo, com “z”.
[Relato do repórter] A pauta mora ao lado
Eu estava sem pauta, sentada em um ponto de ônibus no meio da Avenida Salgado Filho. Minha intenção inicial, de falar sobre o abandono do teatro municipal Sandoval Wanderley, não rendeu matéria. A professora me disse que uma outra aluna, no semestre passado, já havia feito uma reportagem com esse tema. Era verdade. Conferi no site da Fotec a ótima matéria escrita por Diana Coelho.
Eu queria algo diferente. Um assunto que não estivesse lá, só esperando para ser explorado. Queria descobrir alguma coisa nova, algum personagem representativo e aparentemente pequeno diante da imensidão dos assuntos que normalmente preenchem os veículos jornalísticos.
Lembrei de um senhor muito idoso que, mesmo aposentado, teimava em servir de guia turístico e cuidar do teatro Alberto Maranhão. Liguei para a bilheteria perguntando pelo seu Pedro, como é carinhosamente chamado. A moça do outro lado da linha me informou que ele não trabalha mais lá, que foi substituído por outra funcionária. Desligo o telefone desapontada. Eu até poderia fazer um trabalho investigativo, descobrir onde mora o seu Pedro e ir até sua casa, mas definitivamente não seria a mesma coisa. Minha idéia era a de que ele me guiasse pelo teatro, contando as famosas histórias de assombrações de atores mortos que vagam pelo prédio centenário.
Em meio à minha angustiante falta de criatividade por não conseguir pensar em sequer um assunto interessante para um trabalho de faculdade, eis que quase não reparo em um senhor um tanto caricato, sentado ao meu lado no ponto de ônibus.
Ele veste uma camiseta listrada de gola e usa os poucos cabelos brancos que lhe restam muito bem penteados. Seu nome é Carlos Cunha e está reclamando dos ônibus de Natal, da falta de respeito dos motoristas e do preço da passagem. Começamos a conversar e descubro que temos o mesmo destino. Espero o ônibus junto com ele. No fim das contas, a companhia de Carlos e a viagem me renderiam uma boa pauta. Chegando em casa, escrevi a matéria. (Helena Maziviero)
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